Santarém
É nas margens do Rio Tapajós que a Cargill está instalada em Santarém, no Oeste do Pará. O porto da empresa começou a operar em 2003, com indícios de irregularidades, e tem provocado uma série de impactos. Agora, a Cargill quer renovar a licença de operação. Entenda por que a empresa não pode continuar operando dessa forma.
Populações impactadas
Indígenas
“O porto da Cargill foi construído em cima de um cemitério indígena que para nós tem um grande significado - é nossa ancestralidade que está ali. Essa construção foi de uma forma muito violenta para nossa memória, nossa cultura e ancestralidade. E a Cargill não trouxe só danos para a zona urbana, mas principalmente para os povos da floresta. Um dos territórios mais afetados pela construção do porto é o território Munduruku e Apiaká do Planalto Santareno. Aumentou a grilagem de terras aqui na região, aumentou o desmatamento para plantação de soja e milho”.
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA)
Quilombolas
“Quando a Cargill se instala, ela abre leque para outros portos, para o plantio de soja.
E tanto o Porto da Cargill ou desse porto que estão pretendendo construir aqui no [Lago] Maicá, não houve uma consulta prévia, simplesmente as pessoas foram entrando e foram fazendo. Os quilombos de Bom Jardim, Saracura e Arapemã foram os mais afetados com a instalação da Cargill, com o plantio de soja e com os agrotóxicos, ou com as “terras caídas” [erosão]. Outros quilombos também são afetados de forma não direta”.
Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS)
Pescadores
“O local que o pescador tinha na frente de Santarém, hoje infelizmente isso se perdeu. [...] A grande quantidade de balsas que vem aí do Tapajós, do Rio Madeira, também no Rio Amazonas, acabou atrapalhando também, porque hoje já não tem mais essa quantidade de peixe. Se você parar para perceber, os pescadores artesanais estão migrando para outras profissões. Se não fosse o seguro-defeso, eles não estariam mais no mundo da pesca, porque não dá mais para garantir a sustentabilidade da família. Cadê os peixes grandes, cadê aquela fartura?”
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)
Agricultores familiares e Extrativistas
“As famílias estavam sendo expulsas em função da expansão da soja e, consequentemente, do uso do veneno. Elas estavam entregando seus lotes por R$ 5 mil, R$ 10 mil reais e estavam vindo para os bairros periféricos da cidade. E, logo em seguida, acabou o dinheiro e começaram a passar necessidade. As famílias ficaram com um lote pequeno, então não tinham condições de produzir como produziam anteriormente. Outras famílias foram para mais distante, para comunidades mais longe, a 80-100 km de distância, procurando outras terras. Hoje também já estão sendo expulsas novamente”.
Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém (STTR)
Irregularidades
Não apresenta estudos de impacto ambiental
Não apresenta estudos de impacto ambiental
Com a conivência dos órgãos ambientais e da própria Justiça, a Cargill começou a operar em Santarém (PA), em 2003, sem realizar Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental - estudos obrigatórios no processo de licenciamento ambiental de um empreendimento para avaliar os impactos sobre o meio ambiente e sobre as pessoas. Por decisão do Tribunal Regional Federal, os estudos da Cargill só foram concluídos e apresentados em 2010, mas até hoje possuem uma série de lacunas: eles não mencionam, por exemplo, os impactos que atingem os povos indígenas e quilombolas.
Falta de consulta prévia
Falta de consulta prévia
Apesar dos impactos aos povos indígenas e quilombolas, em momento algum a Cargill realizou um processo de Consulta Prévia, Livre e Informada, como está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. Esse tratado internacional ratificado pelo Brasil prevê que indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais sejam previamente consultadas sobre a possibilidade de qualquer empreendimento que possa afetar seus territórios ou seus modos de vida.
Destrói sítio arqueológico
Destrói sítio arqueológico
A Cargill foi instalada em cima de parte do Sítio Arqueológico do Porto, onde está enterrada a história de povos que viveram no local há cerca de 10 mil anos. Em 2007, foi iniciada uma operação de salvamento de peças arqueológicas, mas o processo já chegou tarde - o porto da Cargill já estava em operação há 4 anos. As peças estão agora na Universidade Federal do Oeste do Pará, sem qualquer apoio da empresa na manutenção e conservação desse acervo.
Não cumpre o que prometeu
Não cumpre o que prometeu
Para obter as licenças de operação do porto, a Cargill se comprometeu a cumprir uma série de condições estabelecidas pelos órgãos ambientais. A empresa não divulga em seu site de que forma tem cumprido essas condicionantes. Além disso, as condições estabelecidas pelos órgãos ambientais são baseadas nos impactos relatados nos estudos de impacto ambiental. Mas, como determinar condicionantes adequadas se os estudos não preveem, por exemplo, o impacto sobre indígenas e quilombolas?
Impactos
Menos áreas de pesca
A instalação da Cargill diminuiu ainda mais o espaço para a pesca artesanal na área urbana de Santarém. Com a diminuição dessa área, os pescadores precisam ir cada vez mais longe em busca de peixes.
Menos peixe
Movimentos de grandes navios, chegada de espécies exóticas invasoras ou contaminação do rio Tapajós: as hipóteses são muitas, mas o fato é que pescadores de Santarém já relatam a diminuição - e até o desaparecimento - de algumas espécies de peixes.
Mais desmatamento
Mais soja, menos floresta: só a cidade de Santarém perdeu uma área de 1 mil km² de floresta entre os anos de 2000 a 2018. É como se o município tivesse desmatado nesse período uma área com tamanho equivalente à capital Belém (PA) ou 140.000 campos de futebol.
Mais agrotóxico
Mais soja resulta em mais agrotóxicos e mais contaminação das pessoas, de rios e igarapés: coceiras na pele, alergias, problemas respiratórios e aumento no relato de casos de câncer são apenas alguns dos sinais.
Mais conflitos fundiários
Desde a chegada da Cargill, o valor médio do hectare de terra na região de Santarém aumentou quase 8.000%. O resultado disso? Muitas famílias venderam suas terras e muitos agricultores e agricultoras familiares foram obrigados a vender - seja porque foram ameaçados por sojeiros, seja porque precisaram fugir da contaminação dos agrotóxicos das propriedades vizinhas.
Menos praias urbanas
Com a instalação da Cargill a população de Santarém perdeu a Praia de Vera Paz, um espaço de lazer urbano muito frequentado pelas famílias santarenas, inclusive pelas de menor renda.
Mais impactos sobre territórios sagrados
Ao ser construído em cima de um sítio arqueológico, o Porto da Cargill trouxe impactos imateriais aos povos indígenas: destruiu territórios sagrados e desrespeitou espíritos ancestrais.
Mais impactos sobre mulheres
Protagonistas na agricultura familiar, as mulheres são as principais impactadas com o êxodo rural, já que recai sobre elas grande parte da responsabilidade de encontrar novas formas para garantir a alimentação e o cuidado dos filhos. O aumento na circulação de pessoas vindas de outras cidades para o transporte da soja também aumenta o medo da violência sexual.
Menos produção de alimentos
Se em quinze anos, entre 2001 e 2016, a produção de soja aumentou mais de 2.000% em Santarém, a produção de outros tipos de alimento tem registrado queda: em 2016, a produção de laranja caiu 90%, comparada com 2013.
Mais erosão na várzea
Mais barcos e navios de grande porte passando estão acelerando o processo de “terras caídas”: por causa da erosão das margens dos rios, famílias - e até comunidades inteiras - estão tendo que se deslocar.
Violação de direitos
Artigo 6 da
Convenção 169 da
Organização
Internacional
do Trabalho
Garante o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Ou seja, a Convenção 169 garante que esses grupos sejam previamente consultados sobre a possibilidade de obras que impactem seus territórios e modos de vida, e garante que processo de consulta seja feito da forma mais adequada, determinada por esses povos.
Artigo 6 da
Convenção 169 da
Organização
Internacional
do Trabalho
Garante o direito à Consulta Prévia, Livre e Informada de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Ou seja, a Convenção 169 garante que esses grupos sejam previamente consultados sobre a possibilidade de obras que impactem seus territórios e modos de vida, e garante que processo de consulta seja feito da forma mais adequada, determinada por esses povos.
Artigo 196 da
Constituição Federal
Garante o direito à saúde a todas as pessoas, e estabelece que este direito seja garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco à saúde.
Artigo 196 da
Constituição Federal
Garante o direito à saúde a todas as pessoas, e estabelece que este direito seja garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco à saúde.
Artigo 215 da
Constituição Federal
Garante o direito à cultura, protegendo as manifestações de culturas populares de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
Artigo 215 da
Constituição Federal
Garante o direito à cultura, protegendo as manifestações de culturas populares de indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
Artigo 225 da
Constituição Federal
Garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e estabelece ao poder público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as futuras gerações
Artigo 225 da
Constituição Federal
Garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e estabelece ao poder público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as futuras gerações
Artigo 231 da
Constituição Federal
Reconhece a organização social e os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras tradicionalmente ocupadas, inclusive sobre as terras cuja preservação dos recursos ambientais são necessárias para o bem estar e manutenção da cultura indígena.
Artigo 231 da
Constituição Federal
Reconhece a organização social e os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras tradicionalmente ocupadas, inclusive sobre as terras cuja preservação dos recursos ambientais são necessárias para o bem estar e manutenção da cultura indígena.
Portaria
Interministerial
nº 60/2015
Estabelece procedimentos administrativos nos processo de licenciamento ambiental, para órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e Fundação Cultural Palmares. Prevê a realização de um Estudo de Componente Indígena e Estudo de Componente Quilombola no caso de empreendimentos que possam afetar esses grupos.
Portaria
Interministerial
nº 60/2015
Estabelece procedimentos administrativos nos processo de licenciamento ambiental, para órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai) e Fundação Cultural Palmares. Prevê a realização de um Estudo de Componente Indígena e Estudo de Componente Quilombola no caso de empreendimentos que possam afetar esses grupos.
Princípio 10 da
Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento
Prevê a participação e a disponibilização de informações a todos os cidadãos interessados, no que se refere ao meio ambiente e às atividades que possam oferecer perigo às suas comunidades.
Princípio 10 da
Declaração do Rio
sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento
Prevê a participação e a disponibilização de informações a todos os cidadãos interessados, no que se refere ao meio ambiente e às atividades que possam oferecer perigo às suas comunidades.
Art. 68 do Ato
das Disposições
Constitucionais
Transitórias
Reconhece o direito à terra de comunidades quilombolas e estabelece ao Estado o dever de titular esses territórios.
Art. 68 do Ato
das Disposições
Constitucionais
Transitórias
Reconhece o direito à terra de comunidades quilombolas e estabelece ao Estado o dever de titular esses territórios.
Convenção da Diversidade Biológica
Estabelece, entre outras coisas, o princípio da precaução, que impõe a necessidade de verificação exaustiva dos riscos de um empreendimento ao meio ambiente, para precaver que não haja danos irreparáveis.
Convenção da Diversidade Biológica
Estabelece, entre outras coisas, o princípio da precaução, que impõe a necessidade de verificação exaustiva dos riscos de um empreendimento ao meio ambiente, para precaver que não haja danos irreparáveis.
Pressione a Cargill
A Cargill precisa renovar a licença do porto em Santarém. Ajude a cobrar para que o estudo de impacto ambiental seja refeito antes que a nova licença seja concedida.
Novos riscos
Mais empreendimentos portuários à vista em Santarém (PA) e um Congresso Nacional pronto para afrouxar o processo de licenciamento ambiental podem trazer ainda mais impactos ao Tapajós. Se aprovada, a Nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental que está em discussão no Congresso tornará regra a instalação de obras irregulares como o Porto da Cargill.
- Proposta isenta o licenciamento ambiental de 13 atividades com impactos ambientais
- Possibilita o licenciamento autodeclaratório, sem análise prévia dos órgãos ambientais
- Dá poderes à estados e municípios para decidirem regras de um licenciamento menos rígido
- Acaba com a possibilidade de consulta prévia à indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais
Lei geral de
licenciamento
Considerada um dos maiores retrocessos na área ambiental dos últimos tempos no Brasil, a proposta de uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental foi apresentada no Projeto de Lei 3.729/04, em 2004. O substitutivo proposto em 2021 pelo deputado Neri Geller (PP-MT) fragiliza ainda mais a análise de impactos, e praticamente extingue o licenciamento ambiental para empreendimentos. A proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados na metade de maio, e agora será apreciada pelo Senado Federal.
Caso aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente, a nova lei dispensa a análise de impactos - e consequentemente a Consulta Prévia - sobre terras indígenas não demarcadas, territórios quilombolas ainda não titulados e Unidades de Conservação, e dispensará, nas condicionantes ambientais, a obrigatoriedade de compensar impactos sobre serviços públicos, como saúde pública ou mesmo sobre o desmatamento. Além disso, deixará de exigir o licenciamento ambiental para diversas atividades, entre elas para a ampliação de portos já construídos. Ou seja, caso a Lei Geral do Licenciamento Ambiental seja aprovada, as irregularidades apresentadas na operação da Cargill em Santarém serão automaticamente validadas, sem que haja possibilidade de reparação ou de compensação pelos impactos provocados.
Faça o download do estudo
Baixe o material completo e entenda os impactos e erros acumulados pela transnacional Cargill ao longo da operação do porto da empresa em Santarém (PA).
Você também pode baixar um material extra que destaca como a instalação desse porto vai contra a imagem de “empresa sustentável” que a Cargill tenta vender através da proposição de falsas soluções para a crise climática.